COMUNHÃO SE CULTIVA
Comunhão se Cultiva...
João J. C. Sampaio
Há preciosidades que guardamos a sete chaves só pelo prazer de saber que somos os seus donos. Na prática, nem sempre nos proporcionam mais vida, a não ser a engorda de nosso ego, que obedece as pregações capitalistas, incentivadoras do acúmulo de riquezas e do “quem guarda, tem”.
Quanta poupança acumulada sob duras renúncias, em nome da segurança do dia de amanhã e que é deixada para alimentar brigas ou alegrias dos herdeiros! Há outras preciosidades que não precisam ser escondidas dentro de colchões, nem de cofres fortes. São as amizades, a vida comunitária, a solidariedade, a fraternidade, a ternura e bens dessa ordem que tornam a vida exuberante. Essas benesses, em vez de serem depositadas em lugares secretos, precisam ser manifestadas, distribuídas e dependem, exclusivamente, de nosso cultivo no chão generoso da existência compartilhada. Quanto mais expostas, mais se fortalecem e quanto mais delas nos servimos, mais agradáveis se tornam.
Sinto um quê de inveja ao retomar o livro dos Atos dos Apóstolos e lá contemplar a convivência fraterna dos primeiros cristãos, notadamente, quando observamos que eles eram tão unidos que pareciam ter um só coração e uma só alma (At. 2, 42-47). Certamente, eles não conseguiram essa façanha de repente, da noite para o dia como num passe de mágica... Aliás, não há mágica nos relacionamentos, mas entendimento, paciência, espera, algumas vezes até palavras mais contundentes em função do aprofundamento da relação.
Há que se ter plena consciência, porém, de que as comunidades se alicerçam na riqueza do que é próprio de cada um de seus membros e o verbo cultivar sugere condições propícias para o desenvolvimento dessa diversidade. Por isso é que admiramos o edificante exemplo da Igreja primitiva.
Se, às vezes, as nossas comunidades se prostram desanimadas ante os seus desencontros, vejamos como se comportou a pequena comunidade escolhida por Jesus. Apesar da preciosa companhia do Mestre, havia gente problemática: com mania de grandeza (Mt. 20, 20-28); de temperamento rompante, mas de humildade sincera (Mt. 26, 31-35 e 70-75); gente covarde que chegou a vendê-Lo (Mc. 14, 10-11); gente preconceituosa (Mc. 9, 38); gente que se envergonhou da Cruz e estava indo embora (Lc. 24, 18-20) e gente fiel, que esteve do lado Dele até o fim (Jo. 19, 26-27).
Sem nos desculparmos pelos nossos fracassos, a comunidade primitiva refletiu, de certo modo, a nossa cara. O que vale, no entanto, é que fomos convidados a criar e cultivar em nosso meio uma comunidade de ressuscitados. As nossas diferenças podem criar empecilhos na implantação do Reino de Deus, mas elas também constituem um excelente material para edificá-lo! Só não são bem-vindas as indiferenças, o dar de ombros, o isolamento em nome de uma pseudo-santidade!
Finalmente, se tivermos atitude semelhante a do apóstolo Tomé, que consciente ou inconscientemente se considerou o bom, o único a ter razão, não levando em conta as palavras e as ações dos outros companheiros, esperamos que, diante da confirmação de nossa intolerância, sejamos capazes de, humildemente, reconhecer a falha e professar a nossa fé no Ressuscitado que é a garantia permanente da comum unidade (Jo. 20, 24-29). Alegremo-nos, pois Ele nos escolheu do jeito que somos para continuar a sua missão. É por isso que nos presenteou, carinhosamente, com o seu Santo Espírito que inspira e fortalece a nossa benfazeja fraternidade.

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