FINADOS OU REFINADOS?
FINADOS OU REFINADOS?
João J. C. Sampaio
Há tempos, presenciei um emocionante testemunho: uma mulher doente, de idade avançada, de cabelos alvos, de visão e audição comprometidas, de pouquíssimo estudo, mas de profunda compreensão da existência, ministrou uma lição que, dificilmente, esquecerei. Ao saber da morte de uma de suas filhas, manifestou o desejo de chegar bem depressa ao local do velório. Lá, depois de chorar a sua dor diante das pessoas que a contemplavam cheias de compaixão, expressou em voz alta a sua fé, afirmando que ali viera para devolver às mãos de Deus a sua filha querida. Assim como um dia, na alegria a recebera e a encaminhara na vida com a força amorosa de mãe, agora a entregava ao Senhor da Vida, na plena convicção de que cumprira essa missão. Acariciou mais uma vez a filha com suas mãos trêmulas, beijou-a longamente, despediu-se com um “qualquer dia a gente se encontra” e foi-se embora sem olhar para trás! Lembrei-me de Jó, personagem bíblico, manifestando a sua fé depois de ter perdido tudo: “O Senhor deu, o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor” (Jó, 1, 21).
Ao mencionar esse fato, desejo relacioná-lo com as duas comemorações que fazemos neste quase final de ano: Todos os Santos e Finados. Penso que, na prática, esses dois momentos, um de alegria e outro de tristeza, poderiam ser reunidos numa única celebração. Estamos, por um lado, diante da nudez do campo cuja colheita foi realizada e, de outro, festejamos os frutos excelentes, os que sobressaíram pela qualidade, isto é, os santos e santas de Deus brotados de nosso chão!
Lembramos com carinho os que completaram a sua missão terrena e aclamamos aqueles que, de modo atuante e comprometido pelas suas atitudes exemplares, geraram mais vida em seus espaços existenciais.
Não me apraz insistir no termo finados, no sentido de que tudo acabou, vestiu-se de luto, nada mais a fazer senão chorar. Prefiro considerar os que atingiram a plenitude da caminhada terrestre, que na lufa-lufa diária encarnaram em suas vidas as bem-aventuranças proclamadas por Jesus (Mt. 5. 1-16). Foi assim que o apóstolo Paulo se manifestou quando declarou: “combati o bom combate, terminei a carreira, guardei a fé. Só me falta receber a coroa de justiça...” (II Tim. 4, 6-8).
Todos, certamente, estamos convictos, de que não é fácil professar a fé e manter a esperança diante da morte inevitável, da aparente redução ao nada. A dor e a tristeza até podem tomar conta de nós, mas não admitiremos que ela represente o irreversível e, nem mesmo os cemitérios, repositórios de nossos corpos inanimados, signifiquem o definitivo. Eles devem ser considerados como expressão de esperança, como os campos onde semeamos entre lágrimas, mas na firme expectativa de que recolheremos a cantar (Sl. 126, 125).
Por essa razão é que nos túmulos, junto aos entes queridos que partiram antes de nós, depositamos também os sinais do sagrado, manifestando a certeza de que a Vida é mais forte do que a morte. As duras palavras do Gênesis, o primeiro livro bíblico: “lembra-te que és pó e ao pó tornarás” (Gên. 3, 19), agora se transformam em esperança/certeza de Vida plena, graças à Ressurreição prometida e garantida por Jesus! Por sua vez, o Apocalipse, o último livro bíblico, proclama que todos nós estamos nas mãos de Deus, como frutos bons de uma colheita boa (Apoc. 21, 1-5).
Creio que só uma coisa deve nos preocupar: a esterilidade, a omissão, o descaso, o dar de ombros, isto é, passar pela vida e não viver, não partilhar, não contribuir com nada ou fazer de conta que se viveu. Para os que assim agem, finados será sempre finados! Mas nós, seguidores do Mestre e Senhor Jesus, preferimos proclamar hoje as glórias de nosso Deus pela nossa existência profundamente humana, cristã e comprometida com os valores do Reino (Apoc. 14, 13).
Que as lágrimas lavem a nossa saudade, mas façamos festa, pois pertencemos à grande comunidade dos santos e santas de Deus.

Para o cristão a vida” não é tirada,mas transformada.”Assim cremos e essa esperança nos anima.
ResponderExcluirEmocionante e certeira reflexão para este domingo chuvoso de Finados e para todos os momentos de nossa caminhada de esperança rumo à Patria definitiva..
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