QUERO SER SALSICHA
QUERO SER SALSICHA!
João J. C. Sampaio
Não me lembro mais há quanto tempo, os canais televisivos apresentavam uma propaganda onde um porquinho, muito simpático, respondia todo orgulhoso a uma pergunta: - “O que você vai ser quando crescer?” Ele esticava o seu pescoço rechonchudo e, cheio de si, dizia: - “Salsicha, uai!” Esse reclame nos traz à mente a lamentável situação e destino de tanta gente, quem sabe até de milhões de brasileiros: o de ser salsicha, isto é, ser o que a sociedade dos poucos privilegiados quer que sejam. Há sempre uma multidão que é nivelada por baixo, “sem lenço, nem documento”, sem profissão, sem escolaridade, sem moradia, sem perspectiva de vida. Assim permanece para servir como “pau pra toda obra”, a mão-de-obra barata aos senhores insensíveis de nosso tempo.
Vamos entender a tragédia: para que haja salsichas, é necessário quem as produza. Ninguém nasce salsicha. Ao contrário, antes de chegar ao produto final há o processo de fabricação que consiste em triturar bem a carne e sei lá mais o quê, misturar tudo com temperos indecifráveis e espremer esse conteúdo até que assuma a forma desejada. Portanto, se existe salsicha é porque há salsicheiros, e estes, conscientes ou não, estão por aí a serviço dos dominantes, os proprietários das salsichas.
Quem sabe sejamos nós os salsicheiros! Imaginemos um professor descompromissado com a vida, com o outro, sem saber o significado de cidadania, direitos, dignidade, liberdade, justiça... O que transmitirá ele a seus alunos? Ou ainda, que mal podem causar alguns líderes religiosos com uma pregação alienada, autoritária, superficial, desencarnada, muitas vezes vivendo em paz com os que se beneficiam da miséria alheia e, quem sabe, também tirando as suas casquinhas? Que religiosos são esses que não ajudam o ser humano a crescer e a ser verdadeiramente imagem do Criador? Examinemos ainda o proceder de muitos de nossos políticos com a exigência bandida do “toma lá, dá cá”, sempre enganando os seus eleitores... Esses adoram vender as salsichas depois de receber os seus votos!
Como constatamos, há salsicheiros, salsichas aos montes e quem adore devorá-las! Prato preferido no almoço e no jantar. Afinal, a multidão pobre da base da pirâmide social ou de seu porão escuro e fétido é a mantenedora do “status quo” desse grupo reduzido de privilegiados que não abre mão das salsichas e dos salsicheiros porque ambos são garantias de riqueza cada vez maiores. Enquanto as salsichas, no seu desespero existencial, tornam-se notícia nas páginas policiais, os seus devoradores são destacados nas colunas sociais como os pilares resistentes de virtude de uma sociedade progressista e benemérita!
Dentro dessa desordem social, felizmente encontramos os que não admitem serem assim transformados e lutam contra essa situação de ignomínia. Para os opressores e bem dotados na vida, esses são os subversivos da ordem, os baderneiros de carteirinha, a turma que quer estragar tudo. Esses, no entanto, que recusaram o esquema opressor e ainda pensam, são os atuais profetas, anunciadores de uma vida nova e denunciadores das condições que levam à morte. São seres pensantes, construtores da paz, ousados e corajosos que apostam numa ordem social sem opressão, sem dominadores e dominados, com igualdade de direitos.
Todos nós sabemos o quanto é sofrida a luta contra a ordem estabelecida e sedimentada no egoísmo humano. São por essas imensas dificuldades que os profetas nem sempre tiveram a chance de morrer na cama. Jesus, que bem conhecemos e amamos, pereceu ainda jovem, escarnecido como bandido numa cruz.
Resta saber de que lado nós estamos.
Tomara que seja do lado dos profetas!
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