ESPELHO, ESPELHO MEU...


“Espelho, Espelho Meu...”

João J. C. Sampaio.


O professor de filosofia mais uma vez foi escolhido para ser o paraninfo da turma que recebia o certificado de conclusão do Ensino Médio. Durante todo o ano letivo levou para dentro de classe mil e uma reflexões. Mexeu e remexeu com a vida. Tocou em feridas. Mostrou contradições. Aprofundou até as raízes. Cruzou com a crença, com a descrença. Provou que ponto de vista só é “visto de um ponto”. Desmistificou. Relativizou. Enfim, dissecou o ser humano, os seus sonhos, as suas contradições e as relações com a natureza através do bisturi cortante da racionalidade.


Ele decidiu que a festa de formatura deveria ser mais uma lição de vida, mais uma reflexão e presenteou os seus alunos com um espelho, daqueles pequeninos, comprados às dúzias na feira livre das ruas. No final da cerimônia, um dos alunos indagou-lhe sobre o significado daquele mimo estranho e o professor devolveu-lhe a questão: Afinal, para que serve um espelho? “Para a gente se ver...” respondeu o discípulo. Coçando a cabeça, o aluno começou a ligar o cérebro!


Pessoalmente, em tom jocoso, lançaria a famigerada pergunta: “Espelho, espelho meu, há alguém mais belo do que eu?” Lembro-me de uma brincadeira, que certa vez fiz no Palácio do Governo, em Campos do Jordão, quando visitávamos as obras de arte lá existentes e ao passarmos, obrigatoriamente, em frente a um imenso espelho de cristal, eu me fiz de guia e disse a todos, em voz alta, que ali refletido, se encontrava a mais importante obra artística. Todo o mundo riu, mas acho que poucos entenderam... Só sei que entre os antigos gregos, o ser humano era considerado o mais belo e perfeito entre todos os seres! Houve um grego exagerado que foi além e morreu extasiado contemplando no espelho d’água a própria imagem... Até hoje chamamos de narcisista o sujeito que só sabe contemplar o próprio umbigo!’ E o nosso planeta está cheio de Narcisos!


A minha caminhada existencial vem mostrando que depois que se entra nos anos “enta” (quarenta, cinquenta...) é mais decepcionante o refletir-se no espelho, mas também já cheguei à conclusão de que isso é pouco diante da ousadia que devemos ter de olhar para nós mesmos para balbuciar alguma coisa verdadeira sobre quem somos... Aí o bicho pega! Quando as pessoas falam bem de nós, achamos isso o máximo e chegamos até a acreditar! Isso engorda o nosso ego, mas não é nada perto do valor que creditamos a nós mesmos... Difícil é ter coragem de buscar a nossa genuína identidade, aceitar que somos um ser que se constrói indefinidamente... Ah, espelho, espelho meu! Objeto onde me miro e nem sempre me admiro!

Além desses papos de reflexão, de contemplação, de comiseração, de aceitação, de condecoração da própria imagem, há ainda um verbo chato de se conjugar que é o verbo espelhar ou espelhar-se. Já ouvimos a afirmação de que devemos nos espelhar em alguém muito especial... Até aí, tudo bem. O drama começa quando somos solicitados a ser o espelho na vida das pessoas, de modo que quando elas nos observam contemplam um pouco de si mesmas e veem em nossa vida um possível exemplo a ser levando em conta.


Descobri que o espelho dado pelo professor, foi um presente de grego! Conclui que, ao contemplar-me, a angústia não vem mais pelas rugas ou pelo pouco cabelo que ainda resta na cabeça, mas pela falta de coragem de encarar-me, de afrontar-me e com ousadia propor o conhecimento de mim mesmo. Tudo isso para ser um pouco mais humano... Espero que ainda haja tempo, espelho meu!

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